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Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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Desta vez, não falta ninguém em Nuremberg

No julgamento do STF os generais e chefes golpistas não escaparão da responsabilização

Interrogatórios dos réus da tentativa de golpe de Estado (Foto: Ton Molina/STF)

O destino arma ironias em seu curso. No julgamento de Nuremberg (1945 a 1946 – Alemanha), os juízes, todos das forças aliadas — Grã-Bretanha, França, União Soviética e Estados Unidos — julgaram 22 réus, 12 deles condenados à pena de morte. A maioria dos acusados era de oficiais de menor patente. Os principais responsáveis pela tragédia do século escaparam. Aqui, tal como lá, o número de oficiais que embarcaram na tentativa de golpe de Estado é 22. As semelhanças param por aí. Nesse julgamento, o do STF, há generais e ex-ministros no banco dos réus. E os chefes não escaparão de suas penas. Todas maiores que dois anos, o que os levará direto para a indignidade, com perda de posto e patente. Isso, após o trâmite processual.

Em Nuremberg, a maioria dos acusados assumiu os crimes de que era acusada, porém muitos alegaram que estavam "apenas seguindo ordens de autoridades”. Aqui, nem mesmo o chefe quis admitir a sua participação, que, segundo um dos seus advogados, Celso Vilardi, Bolsonaro foi descrito como alguém que “foi dragado por uma sucessão de acontecimentos políticos e jurídicos que culminaram nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023”.

E disse, com ênfase, que a acusação não conseguiu nenhuma prova contra seu cliente. Aqui, como lá, quando se atenta contra a humanidade, contra princípios abstratos como a democracia, e tão concretos para a vida de todos nós, ou temos esse sentimento introjetado — a preservação da liberdade, das instituições e do sistema democrático, por consciência do nosso papel no mundo —, ou a ideia que passa para o público médio, desinformado e alheio aos seus direitos, é de algo anódino, pueril, desimportante.

Não lhes diz respeito, devem pensar. Ato contínuo, o que importa mesmo é a preservação da sua escolha política, o seu líder, o que deve gerir o país em que vivem, seja de que modo for, desde que seja ele. O imediatismo, aliado à ignorância e à falta de espírito cívico, resulta em Tarcísio de Freitas, Hugo Motta, Arthur Lira e outros do mesmo naipe. Em termos de conceitos filosóficos, jamais nem sequer cantarolaram o samba-enredo da União da Ilha: “O que será do amanhã?/O que vai ser do meu destino?”. Querem porque querem. Porque o poder deles é hoje e ponto.

Desta vez, não falta ninguém em Nuremberg. Talvez Valdemar da Costa Neto e Ibaneis Rocha sejam as grandes ausências nesse processo. O que falta agora é a mera conclusão do julgamento, para sabermos de que tamanho será a pena imposta a cada um desse vistoso conjunto fardado, de 22 oficiais do nosso portentoso Exército. Nenhum cumprindo ordens. Todos voluntários de uma causa que desaguaria na opressão, no autoritarismo, de que a maioria não faz ideia de como funciona. Por serem jovens, ou por ouvirem em salas de aula que “naquele tempo é que era bom. A ditadura”.

Queriam porque repetem os “chefes”. Queriam porque seria uma forma de ganhar “importância” numa nova ordem de um regime de exceção. Queriam porque não sabem nada do nazismo — nem sequer compreenderam quando o PGR Paulo Gonet citou o termo putsch para aludir ao golpe —, mas queriam. Agora não entendem por que esse “ir ali, a Brasília” os levou ao banco do julgamento do resto de nossas vidas. Talvez entendam quando ouvirem a sentença e derem de cara com a dura realidade. Atentar contra a democracia do país dá cadeia. E, desta vez, também para o chefe. E não toleraremos nada menos que isso.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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