Saara Ocidental: A última colônia da África resiste à opressão do Marrocos e de potências imperialistas
Já passou da hora de o Brasil reconhecer a RASD, o que não significa tomar partido no conflito que a opõe ao Marrocos
Por José Reinaldo Carvalho - No programa A Semana no Mundo da TV 247 desta sexta-feira (18), apresentamos uma entrevista especial com o Embaixador Ahmed Mulay Ali Hamadi, Representante da Frente Polisário no Brasil.
A Frente Polisário, sigla para Frente Popular para a Libertação de Saguia el-Hamra e do Rio de Ouro (os dois rios que estabelecem as fronteiras naturais do Saara Ocidental), é um movimento político e militar que luta pela independência desse território localizado ao sul do Marrocos, no noroeste do continente africano, que estava sob domínio colonial espanhol até 1975.
A Frente Polisário foi fundada em 1973 por jovens nacionalistas saarauís, com o objetivo de libertar seu território do domínio colonial. Com a retirada da Espanha em 1975, o Saara Ocidental passou a ser ocupado em grande parte pelo Marrocos, que o considera parte de seu território nacional. Em resposta, a Frente Polisário iniciou uma guerra de guerrilhas contra a ocupação marroquina. No ano seguinte, em 1976, a organização proclamou a criação da República Árabe Saaraui Democrática (RASD), que passou a funcionar como um Estado e um governo no exílio e a reivindicar a soberania do território. A RASD é atualmente reconhecida por 84 países e é membro pleno da União Africana.
Politicamente, a Frente Polisário constitui-se como um movimento de libertação nacional, voltado à autodeterminação do povo saaraui. Trata-se de uma organização de caráter político-militar, composta por um braço civil e um braço armado — o Exército de Libertação Popular Saaraui. Sua estrutura interna reflete uma orientação nacionalista e anti-imperialista, com forte inspiração nos movimentos anticoloniais e nos princípios de justiça social. Nos campos de refugiados situados no sul da Argélia, onde vivem dezenas de milhares de saarauís, a Frente Polisário e a RASD administram serviços públicos essenciais, como educação, saúde, distribuição de alimentos e segurança.
Apesar de a Frente Polisário e a RASD contarem com o reconhecimento de 84 países — especialmente africanos e latino-americanos —, o conflito permanece sem solução. A Organização das Nações Unidas considera o Saara Ocidental um “território não autônomo” e defende a realização de um referendo de autodeterminação para decidir o futuro da região. Contudo, esse referendo tem sido sistematicamente adiado, em razão de impasses políticos e diplomáticos entre o Marrocos e a Frente Polisário.
Assim, a Frente Polisário continua sendo, até hoje, a principal representante do povo saaraui na luta por autodeterminação e independência, mantendo sua estrutura político-social organizada, sua presença militar ativa e seu governo no exílio como símbolo da resistência frente à ocupação estrangeira.
Apesar de mais de 60 anos de luta pela autodeterminação, o povo do Saara Ocidental segue submetido à ocupação e à violência de um dos regimes mais autoritários do Norte da África: a monarquia do Marrocos. É inaceitável que, no século 21 subsista no continente africano uma situação que a própria ONU reconhece como um processo inconcluso de descolonização.
Apesar da contestação do Marrocos, da França e Estados Unidos, potências imperialistas, o Saara Ocidental é, sim, a última colônia da África.
Desde 1975, quando a Espanha se retirou do território sem garantir um referendo de autodeterminação, o Marrocos invadiu a região e impôs uma ocupação militar brutal, que já dura quase cinco décadas.
Por trás dessa ocupação, encontra-se o apoio incondicional da França — antiga potência colonial e hoje sócia privilegiada de Rabat na exploração dos fosfatos, da pesca e do controle geopolítico do Norte da África. Paris impede, no Conselho de Segurança da ONU, qualquer avanço nas resoluções que exijam o referendo prometido desde 1991. O apoio francês ao Marrocos também se expressa no fornecimento de armamentos e no veto a qualquer condenação explícita da ocupação.
Também os Estados Unidos, especialmente no mandato anterior de Donald Trump, passaram a reconhecer a soberania marroquina sobre o Saara em troca da normalização das relações entre Marrocos e Israel — uma clara traficância geopolítica que viola o direito internacional e a Carta das Nações Unidas.
A posição do Brasil
O Brasil ainda não reconhece oficialmente a República Árabe Saaraui Democrática (RASD) como Estado soberano por razões predominantemente diplomáticas e geopolíticas, embora mantenha relações amistosas com a Frente Polisário e apoie, formalmente, o direito à autodeterminação do povo saaraui no âmbito das Nações Unidas. Uma das alegações da diplomacia brasileira é o desejo de manter boas relações com o Marrocos e a busca por equilíbrio em disputas territoriais sensíveis.
Mas já passou da hora de reconhecer a RASD, o que não significa tomar partido no conflito que a opõe ao Marrocos, mas afirmar o apego ao direito internacional, aos princípios fundadores das Nações Unidas e ao princípio de defender os povos oprimidos. Os países que reconhecem a RASD na prática constituem uma corrente de dignidade e o Brasil, como país relevante e um dos gigantes do Sul Global , deveria somar-se a ela. Até por razões pragmáticas, pois com seu peso geopolítico o Brasil contribuiria muito para a resolução política do conflito e fortaleceria as ações da ONU nessa direção.
A autodeterminação não pode ser refém de interesses comerciais ou conveniências geopolíticas. O povo saaraui vive há décadas em exílio, sob ocupação, repressão e violações sistemáticas dos direitos humanos , aguardando o cumprimento de um referendo prometido e injustificadamente adiado.
O reconhecimento da RASD é coerente com os esforços pelo multilateralismo, a multipolaridade, a paz e o protagonismo do Sul Global.
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