O Brasil e a nova economia de guerra
Com um orçamento militar modesto em comparação com as potências globais, o país permanece à margem da corrida armamentista
Enquanto o mundo se reestrutura em torno de uma economia de guerra marcada por investimentos massivos em armamentos e tecnologia militar, o Brasil mantém-se fora da corrida armamentista. Essa posição revela tanto vantagens diplomáticas quanto riscos estratégicos, exigindo uma política soberana que valorize o desenvolvimento autônomo e a paz internacional.
Um planeta em marcha militar
O cenário geopolítico atual está dominado por uma nova lógica de economia de guerra. Grandes potências como Estados Unidos, China, Rússia e agora a Inglaterra e a Alemanha têm investido cifras bilionárias na modernização de seus arsenais, promovendo não apenas guerras em curso — como na Ucrânia e no Oriente Médio — mas, também, um ambiente permanente de preparação para conflitos futuros. A situação é assustadora.
Essa economia bélica envolve a reorganização da produção industrial, com incentivos à fabricação de armas, desenvolvimento de tecnologias de uso dual (militar e civil) e estímulo à pesquisa em setores como inteligência artificial, ciber segurança e mísseis hipersônicos. Em 2024, os gastos militares globais ultrapassaram US$ 2,4 trilhões, segundo o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (SIPRI).
O Brasil à margem da corrida armamentista
Nesse contexto, o Brasil segue uma trajetória distinta. Com um orçamento militar modesto em comparação com as potências globais, o país permanece à margem da corrida armamentista — o que pode ser visto, à primeira vista, como sinal de responsabilidade e equilíbrio diplomático.
O país mantém uma tradição de não intervenção e defesa do multilateralismo. Essa postura possibilita certa liberdade, evitando compromissos com alianças militares e oferecendo ao Brasil a oportunidade de atuar como mediador em conflitos internacionais.
Além disso, ao não canalizar grandes recursos para o setor militar, o Brasil tem a possibilidade de priorizar áreas sociais, como saúde, educação e infraestrutura — embora essa prioridade nem sempre se concretize de fato.
Os custos da neutralidade
Estar fora da economia de guerra tem seu preço. A indústria nacional de defesa, já debilitada pela desindustrialização mais ampla do país, encontra-se tecnologicamente defasada. A ausência de investimentos robustos na área resulta em perda de soberania tecnológica e dependência de importações, inclusive em setores sensíveis como segurança cibernética e vigilância aérea.
Adicionalmente, num mundo mais instável, onde sanções econômicas e guerras comerciais tornam-se instrumentos de pressão política, a baixa capacidade dissuasória do Brasil pode representar vulnerabilidade. A neutralidade, se não acompanhada de uma estratégia industrial autônoma e robusta, pode se converter em fragilidade.
Caminhos para uma soberania ativa e pacífica
Estar fora da economia de guerra não significa abdicar da soberania. Pelo contrário: pode ser uma oportunidade para o Brasil construir um modelo próprio de desenvolvimento, voltado à inovação civil, à integração regional e ao fortalecimento de uma política externa independente.
Isso exige investimentos estratégicos em ciência e tecnologia, reindustrialização com foco em cadeias sustentáveis e proteção de ativos nacionais — como a biodiversidade e os minerais críticos. Em vez de seguir a lógica belicista, o Brasil pode liderar a construção de uma ordem internacional pacífica, justa e multipolar, a partir de uma posição de força baseada em cooperação e desenvolvimento.
É viável para o Brasil buscar soberania ativa e pacífica com tantas transformações geopolíticas e geoeconômicas em curso?
Sim, em tese, é plenamente possível e estratégico que o Brasil adote um caminho de soberania ativa e pacífica no cenário global atual. Essa abordagem significa exercer autonomia decisória, defender interesses nacionais sem submissão a potências estrangeiras e promover protagonismo internacional por meio de diplomacia e cooperação. Contudo, esse percurso exige enfrentar desafios complexos e fazer escolhas estratégicas consistentes.
Fatores que favorecem essa trajetória
O Brasil possui vantagens únicas: sua riqueza em recursos estratégicos (como biodiversidade, água doce, terras agrícolas e minerais essenciais) oferece influência geopolítica e potencial para liderança em bioeconomia e segurança alimentar. Além disso, o país tem tradição diplomática sólida, com soft power reconhecido em mediação de conflitos e participação ativa em fóruns como ONU, BRICS e G20. Seu mercado interno expressivo (211 milhões de habitantes, top 10 economias globais) amplia margem de negociação, enquanto o contexto multipolar atual (com rivalidade entre EUA-China) abre espaços para nações intermediárias como o Brasil.
Desafios e ônus
A busca por soberania, porém, enfrenta obstáculos significativos: - Pressões geopolíticas, como possível retaliação de potências via sanções comerciais (por políticas ambientais ou defesa tecnológica), exigindo pragmatismo para equilibrar relações com EUA, China e União Europeia (UE). - Dependências estruturais, especialmente tecnológica (em semicondutores, fármacos) e de capitais estrangeiros em setores-chave como mineração e energia. - Instabilidade interna, onde polarização política e fragilidades institucionais podem sabotar políticas de longo prazo, agravadas por infraestrutura deficiente e desigualdade social. - Custos econômicos de curto prazo, incluindo investimentos maciços em substituição de importações e risco de redução de investimentos externos.
Oportunidades e bônus
Os benefícios de uma soberania bem-executada, contudo, são transformadores: - Desenvolvimento sustentável: A soberania sobre a Amazônia permitiria ao Brasil liderar a agenda verde global, atraindo financiamento e criando bioindústrias de alto valor, aliada a uma matriz energética limpa (hidro, eólica, solar). - Autonomia estratégica: Redução de vulnerabilidades em cadeias críticas (alimentos, saúde) via inovação, além de fortalecimento da defesa e ciber segurança. - Influência global: Liderança no Sul Global em temas como combate a pobreza, comércio justo e clima, com atração de investimentos em infraestrutura (parcerias via BRICS). - Coesão social: Políticas de inclusão poderiam ampliar o mercado interno e a estabilidade política. Para converter soberania em realidade, o Brasil precisa de: i. Diplomacia pragmática, mantendo relações funcionais com todas as potências sem alinhamentos rígidos. ii. Integração regional reforçada (Mercosul, parcerias com África e América do Sul) para ganhar escala. iii. Investimento massivo em inovação e educação (ex.: energia nuclear, agricultura tropical) para superar dependências. iv. Estabilidade regulatória que atraia capital sem sacrificar interesses nacionais. v. Posicionar a sustentabilidade como vantagem competitiva (não como concessão).
O Brasil “tem condições únicas” para trilhar o caminho da soberania ativa e pacífica, mas o sucesso dependerá de vontade política além de ciclos eleitorais, coerência entre discurso e prática - política externa alinhada ao desenvolvimento interno - e habilidade de negociação para transformar recursos em poder real. Os ônus são inegáveis (pressões externas, custos econômicos), mas os bônus — autonomia, sustentabilidade e influência global — podem reposicionar o país como um ator indispensável na nova ordem mundial. A chave está em fazer da soberania um projeto nacional factível, não apenas um conceito retórico. A figura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva se encaixa perfeitamente nessa visão de mundo. Ao invés de aumentar gastos com armamentos, Lula tem defendido o combate à fome, às desigualdades e à mudança climática como eixos estratégicos da soberania.
O surgimento da figura de Donald Trump no cenário internacional, mostrando a cara dos Estados Unidos em plena decadência, mas ainda extremamente sedento de poder, que fomenta a guerra sob a forma de sanções, tarifas, ameaças e até guerras; a Alemanha se preparando para um rearmamento sem precedentes desde a Segunda Guerra Mundial e outras nações europeias e asiáticas também, reacende a discussão sobre a necessidade do Brasil começar a investir em “defesa” até como uma forma de se tornar menos vulnerável, mas também fomentar a economia e a geração de empregos.
É de praxe argumentar que investir no setor bélico, em teoria, fomenta a industrialização, mas isso não ocorre de forma direta e automática. Os investimentos em defesa podem gerar avanços tecnológicos e desenvolvimento industrial, mas são capazes de impactar negativamente a vida das pessoas direcionando recursos para setores com pouco ou nenhum impacto no desenvolvimento civil e social. É notório que o Brasil tem investido em defesa muito aquém do desejável.
Defasagem Estratégica e Vulnerabilidades
O Brasil investe apenas 1,1% do PIB em defesa, abaixo da média global (2,2%) e da meta da OTAN (2%), comprometendo sua capacidade de proteger um território continental, 27 mil km de fronteiras terrestres e marítimas, e recursos estratégicos como o pré-sal e a Amazônia. A estrutura militar enfrenta sucateamento crítico: 80-85% do orçamento destina-se a pessoal, restando pouco, em torno de 6-8%, para investimentos em equipamentos e tecnologia. As Forças Armadas reclamam que têm funcionado em "modo sobrevivência". Além disso, ameaças contemporâneas — como tensões na Venezuela-Guiana, narcotráfico transfronteiriço e ataques cibernéticos — exigem respostas ágeis, impossíveis com os recursos atuais.
Impacto Econômico e Tecnológico
Investir em defesa impulsiona a economia por meio de tecnologias duais (civil e militar). Projetos como satélites (monitoramento agrícola e de fronteiras), caças Gripen (com transferência de tecnologia) e submarinos geram inovações aplicáveis em setores civis, como agricultura, aviação e cibersegurança. A indústria de defesa também gera empregos qualificados e fortalece cadeias produtivas: a Base Industrial de Defesa (BID) mobiliza engenharia, TI e manufatura, enquanto empresas como a Embraer (com o avião KC-390) exportam para países da OTAN, gerando divisas. Contudo, a falta de “previsibilidade orçamentária” inviabiliza projetos de longo prazo, como o submarino nuclear, essenciais para autonomia estratégica.
Soberania e Contexto Geopolítico
Em um mundo de conflitos ascendentes (Ucrânia, Oriente Médio) e corrida armamentista, a estagnação brasileira pode ampliar riscos à soberania. Países vizinhos como Chile e Colômbia investem mais em defesa (% do PIB), e potências regionais modernizam arsenais. A PEC da Previsibilidade (propondo 2% do PIB para defesa) busca corrigir distorções, garantindo verbas para projetos estratégicos e “conteúdo nacional mínimo (35%)”. Sem isso, o Brasil dependerá de importações de tecnologia sensível (nuclear e espacial), sujeita a restrições internacionais, ou ficará à mercê de instabilidades regionais sem capacidade dissuasória.
Priorizar defesa, no atual cenário mundial, parece ser condição para ‘neutralidade ativa’ e ‘influência geopolítica’, assegurando que o país não seja reduzido à impotência em um cenário global volátil.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com [email protected].
✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.
Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: