Juros a 15%: Brasil trava o próprio futuro
Em qualquer país sério, com compromisso com seu povo e seu futuro, essa taxa já seria motivo de escândalo
O anúncio da taxa de juros em 15% ao ano, feito pelo Banco Central do Brasil na quarta-feira (18), é mais do que uma medida técnica. É um verdadeiro boicote ao desenvolvimento nacional. Em qualquer país sério, com compromisso com seu povo e seu futuro, essa taxa já seria motivo de escândalo. Aqui, infelizmente, parece que aprendemos a conviver com o absurdo como se fosse normal.
Vamos aos fatos: com a Selic nesse patamar, o Brasil transfere aproximadamente R$ 1 trilhão por ano em pagamento de juros da dívida pública. Um trilhão. Para se ter ideia, esse valor é quase o dobro do que o país investe, somados, em saúde, educação, transporte e segurança. O Brasil não é pobre — ele é manipulado pelas engrenagens do sistema financeiro, que capturam as decisões públicas e empurram o país para a paralisia.
O custo invisível - Com 15% de juros, o crédito trava. A casa própria vira um sonho distante. O empresário não investe. O jovem empreendedor desiste. O agricultor não moderniza sua lavoura. A prefeitura não consegue financiar saneamento. O governo federal vê seus recursos sendo drenados para pagar juros a quem já é rico. E o país, mais uma vez, perde a chance de crescer.
Não se trata de opinião — os dados mostram isso. Juros altos aumentam o custo da dívida pública, freiam o investimento produtivo e travam o consumo das famílias. Mesmo setores estratégicos da economia, como infraestrutura e inovação, são atingidos. O resultado é uma economia anêmica, que cresce pouco, gera poucos empregos e continua exportando matérias-primas sem agregar valor.
Tudo isso por quê? A justificativa usada é a mesma de sempre: “combater a inflação”. Mas essa inflação que vivemos não é causada por excesso de demanda — como o Banco Central finge acreditar — e sim por fatores como choques de oferta, crises climáticas, variações cambiais e oligopólios de preços. É quase um consenso entre economistas que a meta de inflação perseguida pelo BACEN é irreal. De 1999 para cá, o Brasil viveu uma inflação média que fica ao redor de 6% ao ano. No melhor quadriênio, a nossa inflação chegou a 4% ao ano, entre 2017 e 2020.
Estudos mostram que juros persistentemente elevados não apenas afetam a produção, mas também reduzem a capacidade produtiva, colocando dificuldades do lado da oferta para reduzir a própria inflação a médio prazo.
Aumentar os juros nesse contexto é como receitar jejum a quem sofre de anemia.
Quem ganha com isso? - A resposta é simples: os detentores da dívida pública, os grandes fundos de investimento e os bancos. Esses atores vivem da ciranda financeira — e quanto mais altos os juros, mais lucrativa ela se torna. Não é coincidência que a maioria dos economistas da chamada “mídia especializada” defenda os juros altos com tanto fervor. Estão defendendo seus próprios interesses ou os dos seus financiadores.
Enquanto isso, quem perde? Todo o resto do país. O trabalhador desempregado, a família endividada, o estudante sem escola, o doente sem hospital. Perdem os pequenos negócios, a indústria nacional, os agricultores familiares. Perde o Brasil.
Juros e política: quem manda no Banco Central? - Um dos maiores absurdos dessa situação é a autonomia do Banco Central, consagrada por lei em 2021, e hoje funcionando como uma espécie de “governo paralelo” que não responde à soberania popular. Não importa se a maioria elegeu um projeto de desenvolvimento, de inclusão social e de reindustrialização: o BC pode simplesmente ignorar essa vontade democrática e manter o país amarrado à lógica do rentismo.
É a vitória de uma ideia perigosa: a de que decisões econômicas devem ser técnicas, neutras, "acima da política". Mas como lembra o economista Ha-Joon Chang, não existe neutralidade quando se escolhe entre gerar empregos ou pagar rentistas. Cada decisão é política — e quando escondida sob o manto da técnica, ela se torna ainda mais autoritária.
O que diz a teoria? Existe alternativa? - Não faltam evidências — nem teoria — para mostrar que manter os juros a 15% ao ano é um erro econômico com consequências sociais e políticas profundas. Da teoria keynesiana clássica à crítica heterodoxa contemporânea, há um consenso crescente: juros elevados e por tempo prolongado matam o crescimento e alimentam a desigualdade.No marco clássico de John Maynard Keynes, apresentado em A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda (1936), a taxa de juros funciona como um freio direto ao investimento produtivo. Para Keynes, o investimento só acontece quando o retorno esperado supera o custo do capital — e esse custo é definido, em grande parte, pela taxa de juros.“O desemprego é causado pelo fato de que os juros estão acima do nível compatível com o pleno emprego” – Keynes
Para Keynes, juros altos desestimulam o investimento e mantêm o desemprego. Aplicado ao Brasil de hoje: manter a Selic em 15% é uma escolha deliberada por manter o desemprego estrutural e o baixo crescimento econômico.
Autores como Celso Furtado e Ignácio Rangel, pensadores centrais da economia do desenvolvimento no Brasil, viam a atuação do Estado — por meio de investimento público e crédito barato — como essencial para romper o círculo vicioso da pobreza e da dependência externa. Rangel chamava os juros altos de "desenvolvimento às avessas": em vez de alavancar a produção, premiam a especulação.“A austeridade nos países pobres não serve à estabilidade, mas à dominação” – Celso Furtado
Ou seja, manter juros em 15% é ceder à lógica da dependência, em que o capital financeiro internacional dita as regras e o povo paga a conta.
Nos últimos anos, André Lara Resende, um dos formuladores do Plano Real e ex-presidente do BNDES, tornou-se uma das vozes mais lúcidas contra a ortodoxia monetária no Brasil. Ele tem sido claro: o Banco Central opera com uma visão ultrapassada, quase religiosa, que insiste que a única forma de controlar a inflação é com juros altos, ainda que isso destrua o investimento e o emprego.“A obsessão com a taxa de juros como único instrumento de política econômica é irracional e antidesenvolvimentista” – Lara Resende
Ele aponta ainda que o sistema bancário brasileiro é “cartelizado”, cobrando os juros mais altos do planeta não por eficiência, mas por conveniência protegida por política pública.
Luiz Gonzaga Belluzzo — economista brasileiro de referência — descreve o que chama de dominância financeira: um cenário em que as políticas públicas são moldadas para satisfazer os mercados financeiros, mesmo que isso sacrifique o bem-estar social. A lógica é simples: se o sistema político e institucional responde mais aos investidores do que aos cidadãos, então a taxa de juros se torna uma ferramenta de proteção de rendimentos — não de política econômica racional.
Na mesma linha, o economista grego Yanis Varoufakis, ex-ministro das Finanças da Grécia, descreve um mundo onde os bancos centrais perderam a função de reguladores do sistema monetário e tornaram-se garantidores de rentabilidade para o capital especulativo.
Nem mesmo os bastiões da ortodoxia estão de acordo com o uso abusivo da taxa de juros. Um relatório do FMI de 2023 mostrou que em países emergentes, os aumentos agressivos da taxa básica têm efeito limitado sobre a inflação, mas impacto significativo sobre o desemprego e o crescimento.
Estudos da OCDE e de centros como o CEPR (Center for Economic and Policy Research) apontam que o uso exclusivo da taxa de juros para “ancorar expectativas” não funciona em contextos de inflação por choque de oferta — exatamente o que temos vivido com a pandemia, a guerra na Ucrânia e os eventos climáticos extremos.
A teoria econômica, de Keynes a Stiglitz, da Cepal ao FMI, mostra que a política de juros no Brasil é insustentável, injusta e ineficaz. O que a sustenta não é a racionalidade técnica, mas um modelo de poder: um pacto invisível entre mercado financeiro, mídia especializada e uma burocracia blindada da vontade popular.
A falsa neutralidade do Banco Central independente - Economistas críticos como Ha-Joon Chang, Joseph Stiglitz e Thomas Piketty alertam para o risco democrático que representa um Banco Central independente em excesso. Essa independência, dizem eles, muitas vezes não é técnica — é ideológica. É a independência dos ricos contra os pobres. É a independência do rentismo contra o trabalho.
“A independência do Banco Central é, muitas vezes, a independência do setor financeiro” – Ha-Joon Chang
“Se política monetária é política, ela precisa de controle democrático. Se não há controle popular, há captura” – Joseph Stiglitz
O Brasil precisa de ousadia, não de medo - O que está em jogo é o modelo de país que queremos. Um país que escolhe pagar R$ 1 trilhão por ano em juros em vez de investir em seu povo é um país que renuncia ao seu futuro. É um país que aceita a desigualdade como destino, e a estagnação como método.
É hora de romper com esse ciclo. Reduzir a taxa de juros não é irresponsabilidade — é coragem. É vontade de ver o Brasil crescer com distribuição, dignidade e esperança. É colocar o bem-estar da maioria acima dos interesses de uma minoria rentista.
Como dizia Celso Furtado, o subdesenvolvimento não é uma etapa: é um projeto. E enquanto aceitarmos juros a 15%, estaremos colaborando com ele.
Romper com isso exige mais que bons argumentos — exige vontade política, mobilização social e coragem intelectual. Porque manter o Brasil refém dos juros altos é manter o país de joelhos. E já passou da hora de nos levantarmos.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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