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Sara York

Sara Wagner York ou Sara Wagner Pimenta Gonçalves Júnior é bacharel em Jornalismo, licenciada em Letras Inglês, Pedagogia e Letras vernáculas. Especialista em educação, gênero e sexualidade, primeiro trabalho acadêmico sobre as cotas trans realizado no mestrado e doutoranda em Educação (UERJ) com bolsa CAPES, além de pai, avó. Reconhecida como a primeira trans a ancorar no jornalismo brasileiro pela TVBrasil247.

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FUTUROTRAMA (IV): Como os Jovens Brasileiros Enxergam o Futuro

Se queremos uma juventude que acredite no futuro, é preciso devolver a ela o presente

(Foto: Marcello Casar Jr/Ag.Brasil)

Na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), perguntei a um grupo de estudantes de graduação: "Como vocês enxergam o futuro?" O silêncio e, logo depois, vieram palavras como "incerteza", "medo", "ansiedade", "luta" - mas também "sonho", "transformação", "resistência". Essa dicotomia entre o pavor e o desejo de mudança ecoa com força nos dados do Relatório de Futuros 2025, desenvolvido em parceria com o movimento Teach the Future Brasil, que nos oferece um retrato urgente e necessário sobre como a juventude brasileira percebe o amanhã. (Quarta Parte)

4. O papel da esperança crítica - Apesar de tudo, a juventude insiste. E isso é revolucionário. Quando 76,6% dos jovens dizem ter uma ideia clara de como gostariam que fosse seu futuro, não podemos ignorar esse grito. Eles não estão só falando de carreira ou de estabilidade financeira: estão falando de dignidade, de viver sem medo, de poder amar quem quiser, de não morrer por ser quem são.

Essa clareza diante do caos é um ato de coragem. E como nos lembra bell hooks, esperança não é passividade - é prática. É uma construção diária, coletiva, feita na tensão entre o que é e o que pode ser. Em Ensinando comunidade: uma pedagogia da esperança, hooks defende que ensinar é um ato de amor e de resistência. A sala de aula, portanto, não é apenas o lugar onde se aprende a decodificar o mundo, mas onde se reaprende a sonhá-lo. Quando olho para os rostos das e dos jovens na universidade pública, vejo ali a radicalidade de quem insiste em viver, em sonhar e em mudar o mundo apesar das estatísticas, apesar do medo, apesar da violência.

É nessa escuta atenta - que também é prática de esperança - que compreendemos o que significa imaginar um futuro. O Relatório de Futuros 2025 revela que 87% dos jovens acreditam que imaginar o futuro pode ser aprendido. Isso transforma o imaginário em ferramenta de resistência. E quando apenas 31% se sentem preparados pela escola para os desafios do amanhã, temos um chamado urgente: precisamos reconfigurar o que entendemos como preparar. Ensinar hoje é criar espaço para o inédito, é cultivar dignidade e construir pertencimento. Não se trata apenas de conteúdos, mas de relações. De saberes partilhados. De reconhecer que os corpos que aprendem também são corpos que sofrem, amam, se revoltam, resistem.

Bell Hooks nos ensina que educar é formar comunidade, e que comunidade só se sustenta com afeto, solidariedade e compromisso ético. A esperança nasce, segundo ela, das conexões humanas e do amor como prática política. Isso é ainda mais urgente num país onde a violência racial, de gênero e contra a população LGBTQIA+ cresce de forma alarmante. Onde jovens negros continuam sendo mortos nas periferias, onde amar alguém do mesmo gênero ainda pode ser sentença de morte, onde ser travesti é viver sob ameaça constante. Frente a isso, resistir é amar. Ensinar é proteger. E aprender é ato de fé.

A juventude insiste porque sabe que há um futuro possível a ser arrancado do presente. E nós, educadoras e educadores, temos a responsabilidade de cuidar desse gesto de ousadia. De transformar a sala de aula em um lugar onde a imaginação não é punida, mas nutrida. Onde as palavras servem para nomear o mundo, mas também para reinventá-lo.

Ensinar, hoje, é esculpir essa futurotopia junto com quem ainda acredita. É estender a mão a quem caminha sobre o fio da desesperança. E é lembrar, todos os dias, que a juventude não quer apenas sobreviver - ela quer viver plenamente. Que saibamos estar à altura desse desejo. Porque, como bem escreveu hooks, "a esperança é um gesto radical de amor". E amar, em tempos sombrios, é o mais potente ato de transformação que podemos oferecer.

Juventudes no Limite: Quando o Futuro Vira Silêncio - "O que me impede de imaginar o futuro é achar que ele já tem um roteiro e que eu estou atrasado."

Essa frase, retirada da pesquisa nacional Escuta Expandida de Futuros realizada pelo Teach the Future Brasil, revela mais do que um desabafo: ela desnuda uma geração brasileira que se vê esmagada entre a urgência do presente e a incerteza de um futuro que, para muitos, nunca chegou a ser possível.

Com 689 jovens de 18 a 28 anos ouvidos em todas as regiões do país, o levantamento não se contentou em quantificar salários ou escolaridades. Ele mergulhou nas angústias, nos sentimentos, nos medos e nas pequenas alegrias de quem carrega o peso do amanhã nas costas ainda frágeis de uma juventude atravessada por desigualdades.

E aqui a antropologia social se encontra com o jornalismo: esse retrato nacional pode - e deve - ser colocado lado a lado com os dados dos estudantes da Ilha do Marajó, no Pará, região historicamente negligenciada pelo Estado e invisibilizada nos projetos de desenvolvimento.

No Marajó, um levantamento recente revelou que mais de 60% dos estudantes da rede pública não conseguem acessar internet de qualidade, e que mais da metade convive com a fome cotidiana. Quando se compara com os dados do TTF, percebe-se que o que está em jogo não é apenas uma questão de localidade, mas uma estrutura nacional de desamparo: 48,9% dos jovens vivem com até um salário mínimo e 45% sequer concluíram o ensino médio.

A pergunta é: como imaginar o futuro quando o presente não dá trégua?

Juventudes plurais, sonhos contidos - A pesquisa do TTF traz também um dado muitas vezes ignorado: a diversidade não é apenas um marcador identitário, mas um vetor de experiências radicalmente diferentes. 63,7% dos jovens ouvidos são mulheres, 52% se identificam como pardos, 12,5% como pretos, e há ainda uma pequena parcela que se declara não binária (0,4%).

Esses números importam. Porque juventudes negras, indígenas, periféricas, LGBTQIAPN+ e com deficiência não partem do mesmo lugar. Suas trajetórias são cruzadas por estigmas, exclusões e por uma estrutura de oportunidades desigual.

Na Ilha do Marajó, por exemplo, a interdição do futuro começa pela escola. Quando a ausência de professores, transporte precário e a fome fazem parte da rotina, o que se constrói não é um projeto de vida, mas um pacto silencioso com a sobrevivência.

A internet: sonho e labirinto -"A internet me fez sonhar mais alto, mas também me fez duvidar de mim."

Essa é outra frase central na escuta feita pelo TTF Brasil. A presença digital, que poderia ser ponte para o futuro, muitas vezes se transforma em espelho distorcido. Nos territórios mais isolados, como o Marajó, a inclusão digital ainda é uma miragem. Mas mesmo entre os conectados, a exposição contínua a modelos inalcançáveis produz paralisia, comparação tóxica e autossabotagem.

As "comunidades digitais de pertencimento" mencionadas na pesquisa, embora importantes, não substituem a escuta, o toque e a troca real de mundos. O dado é doloroso: a solidão digital cresce mesmo entre os que estão "conectados".

O que une os dados do TTF com os da Ilha de Marajó é uma constatação tão simples quanto brutal: a pobreza, a exclusão educacional e o racismo estrutural impedem a imaginação. Sem tempo, sem acesso e sem escuta, o futuro se torna um luxo - ou pior, um roteiro pronto para o qual o jovem sente que já chegou tarde demais.

Futuro como direito, não como promessa - Se queremos uma juventude que acredite no futuro, é preciso devolver a ela o presente. Com políticas públicas reais, com acesso à educação crítica, com alimentação escolar de qualidade, com internet onde o wi-fi não chega, com professores que também não desistam de imaginar.

Como jornalista, como educadora e como pessoa com deficiência, escrevo não apenas com palavras, mas com corpo e vivência. Porque o futuro que queremos construir não pode mais ignorar quem já foi ignorado por tanto tempo.

E se há algo que essa pesquisa nos mostra é que os futuros não nascem sozinhos. Eles precisam ser cultivados, defendidos, sustentados - por nós, agora.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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