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Washington Araújo

Jornalista, escritor e professor. Mestre em Cinema e psicanalista. Pesquisador de IA e redes sociais. Apresenta o podcast 1844, Spotify.

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Brasil amplia sua voz contra a perseguição aos bahá’ís no Irã

Desde a Revolução Islâmica de 1979, os bahá’ís enfrentam repressão classificada pela Human Rights Watch (HRW) como “crime contra a humanidade”

(Foto: Reuters/Leonhard Foeger)

Quatro dias após uma audiência pública histórica na Câmara dos Deputados, ainda ecoam os ecos de solidariedade, indignação e apelo por justiça que marcaram o evento realizado às 13h de quinta-feira, 12 de junho, no plenário da Comissão de Direitos Humanos.

O espaço, lotado e vibrante, reuniu autoridades, ativistas, artistas e representantes da sociedade civil para denunciar a perseguição sistemática à comunidade bahá’í no Irã, com destaque à violência de gênero contra mulheres bahá’ís.

Transmitido ao vivo pelo YouTube e pelo site da Câmara (www.camara.leg.br/cdhm), o evento utilizou tecnologias acessíveis, como aro magnético e conexão bluetooth, para pessoas com deficiência auditiva. O debate tornou-se uma caixa de ressonância de um apelo global por dignidade e ação, ancorado por dados alarmantes, testemunhos comoventes e um chamado à coerência internacional.

Uma perseguição cruel e sistemática - Desde a Revolução Islâmica de 1979, os bahá’ís, maior minoria religiosa não muçulmana do Irã, enfrentam repressão classificada pela Human Rights Watch (HRW) como “crime contra a humanidade”. Mais de 200 bahá’ís foram executados por sua fé; seus locais sagrados destruídos; cemitérios profanados. Prisões arbitrárias, confisco de bens, expulsão de escolas e universidades e proibição de empregos públicos são recorrentes.

Um memorando do Conselho Supremo do Irã, datado de 1991, orienta a marginalização socioeconômica dos bahá’ís — política que permanece em vigor. Discursos de ódio propagados por canais estatais e redes sociais retratam os bahá’ís como “seita satânica” ou “agentes do imperialismo”, incitando agressões e segregações.

Renata Bahrampour, advogada e integrante do Escritório de Assuntos Externos da Comunidade Bahá’í do Brasil, alertou que essa retórica fomenta violência, sobretudo contra mulheres: em março de 2024, 72 das 93 pessoas convocadas ou detidas por sua fé eram mulheres. Muitas permanecem sem paradeiro conhecido, presas sem mandado ou julgamento justo.

Em janeiro de 2025, 11 mulheres bahá’ís foram detidas em ações violentas e extrajudiciais, com intimidações dirigidas também a vizinhos e familiares.

Mulheres bahá’ís e a dignidade sob ataque - Nazila Ghanea, relatora especial da ONU para Liberdade de Religião ou Crença, sublinhou a “violência estrutural” enfrentada pelas mulheres no Irã, agravada no caso das bahá’ís por discriminação interseccional. Normas legais — como a obrigatoriedade do hijab, a exigência de autorização do marido para viagens e a omissão estatal diante da violência doméstica — tornam-se instrumentos de opressão.

Uma das histórias mais comoventes rememoradas foi a de Ezzat Eshragi e sua filha Roya, de 23 anos, ambas executadas publicamente em 1983 com outras oito mulheres bahá’ís. Na prisão, Roya, tentando acalmar a mãe, disse que, por serem consideradas “impuras” por sua fé, talvez estivessem protegidas contra abusos. A ironia dessa afirmação revela o quão desumanizante é o sistema.

A atriz Débora Duboc deu voz à história de Anissa Fanayan, bahá’í da cidade de Semnan, que começou a cumprir pena de sete anos de prisão em 27 de fevereiro de 2025. Condenada por ensinar crianças refugiadas afegãs, foi acusada de “propaganda contra o regime” e “perturbação da segurança nacional”.

Antes de sua prisão, Anissa escreveu cartas para seus filhos, Setareh e Shakib, e para as crianças afegãs que educava, reiterando sua fé na dignidade humana e no valor do conhecimento: “conhecer é mais essencial ao ser humano do que comida ou água”. Suas palavras, lidas com emoção por Duboc, são símbolo de resistência e ternura em meio à brutalidade.

A hipocrisia dos poderosos e a chance do Brasil - Em participação remota a partir de Nova York, o jornalista Jamil Chade denunciou a incoerência da política internacional em matéria de direitos humanos. Lembrou o Nobel da Paz de 2023 concedido à iraniana Narges Mohammadi, que, em sua luta, enfrentou 13 prisões, 31 anos de condenação e 154 chicotadas — muitas delas por denunciar a perseguição aos bahá’ís.

Chade criticou o uso seletivo dos direitos humanos por interesses geopolíticos, que ignoram vítimas reais como as mulheres bahá’ís. Mencionou ainda o aplicativo Naser, que monitora mulheres em transportes públicos e ambulâncias, ampliando a vigilância estatal.

“A defesa dos direitos humanos exige coragem e coerência. O silêncio é cumplicidade”, declarou Chade, conclamando o Brasil a agir como nação democrática e signatária de tratados internacionais. “O destino de uma mulher bahá’í é o meu destino”, afirmou.

César Munhoz, diretor da HRW no Brasil, sugeriu que o Brasil apoie investigações internacionais, utilize o princípio da jurisdição universal para processar criminosos e facilite o acolhimento de refugiados bahá’ís. Também defendeu que o tema seja levado à cúpula dos BRICS, em julho, no Rio de Janeiro.

Histórias que atravessam fronteiras - A audiência, proposta pela deputada Érika Kokay, revelou o poder transformador da memória e da denúncia. Estiveram presentes representantes do Ministério dos Direitos Humanos, do Itamaraty, além de nomes como Cláudia de Ângelo Barbosa e a própria atriz Débora Duboc, que emocionou o público ao associar sua história pessoal à de Anissa.

“Fui criada por uma mãe professora. Hoje, estou aqui como artista e como mulher indignada”, disse, ao ler trechos das cartas de Anissa, que revelam uma fé inabalável na educação e na convivência entre os povos.

Anissa foi barrada no último ano do ensino médio por ser bahá’í. Mesmo com notas excelentes, não teve acesso à universidade. Sua filha sofreu bullying escolar, e seu filho de apenas seis anos foi expulso de duas escolas. Ainda assim, Anissa continuou a ensinar, movida por amor e senso de justiça. “O Irã é um país lindo, com um povo talentoso. Se houver respeito mútuo, nosso futuro será brilhante”, escreveu.

Um alerta ético ao mundo - O evento expôs a brutalidade de um regime que vê na educação e na igualdade ameaças a seu poder. Mas também evidenciou a força silenciosa das mulheres bahá’ís, que transformam sua dor em ação e esperança.

“Elas promovem educação, paz e justiça — e por isso são alvos”, declarou Bahrampour.

O Brasil, com sua história de acolhimento, diversidade e compromisso com os direitos humanos, tem a responsabilidade de liderar essa pauta no cenário internacional. As vozes de Ezzat, Roya, Anissa, Narges e tantas outras não podem ser esquecidas.

Como disse Jamil Chade: “Não podemos aceitar que existam fronteiras para o conceito de humanidade”. Cabe a cada um de nós — cidadãos, legisladores, educadores, jornalistas — responder com coragem e lucidez a esse chamado à decência.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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