A guerra de Trump contra as universidades significa uma guinada autoritária nos EUA?
Houve uma retórica de deslegitimação das universidades, comum em projetos autoritários que buscam enfraquecer instituições que produzem conhecimento livre
Foi ordenado o bloqueio de vistos de permanência para todos os estudantes estrangeiros das universidades norte-americanas. Tomada na segunda-feira, a decisão da Casa Branca é mais que chocante, sobretudo porque acontece no próprio cerne da “maior democracia do mundo”. Ela vem se somar a outras providências demolidoras decididas por Donald Trump na sua atual cruzada contra importantes centros do ensino e do debate de ideias em seu país. A liberação dos vistos só poderá ocorrer após verificação dos perfis sociais dos alunos estrangeiros. Basta uma palavra ou expressão nos perfis das redes que não estejam de acordo com os cânones autoritários da extrema direita e para o aluno estrangeiro acabou: terá de retornar a seu país de origem. Liberdade de pensamento e, portanto, liberdade de expressão, é um dos pilares que sustentam a própria ideia e estrutura de universidade.
Há um ano, diante de investidores do Vale do Silício, Donald Trump havia anunciado a intenção de conceder o “green card”, o visto de residência permanente, a todos os estudantes estrangeiros que se formassem nos Estados Unidos. “Queremos manter aqui — disse ele sob aplausos — todas as mentes mais brilhantes.” O chefão mudou de ideia, como se percebe na sua decisão de ordenar o bloqueio de todos os vistos estudantis e o início de uma verificação em larga escala nas contas sociais de quem fez o pedido.
Esse bloqueio marca uma escalada dramática na luta contra as universidades americanas, acusadas de disseminar o antissemitismo e de serem excessivamente liberais, e lança no caos um setor que, segundo a NAFSA, organização sem fins lucrativos de Washington que trata de programas internacionais, contou em 2024 com mais de um milhão de estudantes estrangeiros que gastaram, entre educação e custo de vida, 44 bilhões de dólares.
“Com efeito imediato — lê-se no despacho enviado pelo Departamento de Estado a embaixadas e consulados —, em preparação para a ampliação dos controles e verificações obrigatórias nas redes sociais, as seções consulares não devem adicionar novas disponibilidades para agendamentos relacionados a vistos de estudantes ou visitantes de intercâmbio (categorias F, M e J) até novo comunicado que será enviado separadamente nos próximos dias.”
No Departamento de Estado, haveria frustração entre os funcionários, também porque as diretrizes parecem vagas. Não está claro como serão realizados os controles sobre as contas nas redes sociais e qual será o critério de avaliação — um meme pró-Gaza será suficiente para que o pedido de visto seja rejeitado? — e se as plataformas, da Meta, que possui Instagram e Facebook, até X e TikTok, colaborarão com o governo. A ordem de bloqueio dos vistos para estudantes estrangeiros foi assinada pelo secretário de Estado Marco Rubio – o mesmo que afirmou em 21 de maio último que há uma “grande possibilidade” de o governo Trump aplicar sanções contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, com base na Lei Global Magnitsky. Mas sobre quem deu o aval não há dúvidas: Trump quer destruir o sistema universitário de elite americano.
A política de Donald Trump em relação às universidades, caracterizada agora como uma “guerra” e sua associação com uma clara guinada autoritária do atual governo é tema de análise nos quatro cantos mundo. Muitos opinam que ela está sendo travada como um balão de ensaio para um projeto muito maior: a implantação de uma guerra análoga a ser travada em todas as outras áreas do saber, do conhecimento e da intelectualidade nos Estados Unidos.
Durante sua primeira presidência (2017-2021), Donald Trump e aliados frequentemente criticaram instituições de ensino superior por supostamente promoverem uma agenda “liberal” ou “de esquerda” e por, segundo eles, restringirem a liberdade de expressão de estudantes e professores conservadores. Algumas das ações e retóricas associadas a essa postura incluem:
- Cortes e ameaças a financiamento: O governo ameaçou cortar verbas federais de universidades que, na visão da administração, não garantissem a liberdade de expressão a todos os grupos, incluindo conservadores.
- Ordens executivas: Em 2019, Trump assinou uma ordem executiva vinculando o financiamento federal à promoção da liberdade de expressão nos campi.
- Retórica anti-intelectual: Frequentemente, Trump e seus apoiadores acusaram universidades de serem centros de “doutrinação esquerdista” e de censura contra ideias conservadoras.
- Ataques à ciência e à expertise acadêmica: O governo minimizou ou rejeitou consensos científicos sobre temas como mudanças climáticas e a pandemia de COVID-19, confrontando diretamente o papel tradicional das universidades como centros de produção de conhecimento científico.
Houve uma retórica de deslegitimação das universidades e da ciência, comum em projetos autoritários que buscam enfraquecer instituições que produzem conhecimento independente do governo. Claro, durante o primeiro governo de Trump, embora tenha havido tentativas de condicionar financiamento e pressões políticas, não se observou uma repressão direta, como fechamento de universidades, prisão de acadêmicos ou censura institucionalizada — características típicas de regimes autoritários clássicos. Trump não teve poder para tanto. Assim, pode-se falar mais de “fortes pressões liberais” do que de um autoritarismo pleno.
No atual governo, as coisas parecem estar mudando: Alguns analistas, como Steven Levitsky e Daniel Ziblatt (“Como as Democracias Morrem”), apontam que as atuais práticas de Trump — incluindo o desprezo por normas democráticas e ataques a instituições independentes — configuram uma forma de autoritarismo competitivo ou populismo autoritário. O embate com as universidades seria o elemento mais visível desse padrão mais amplo.
Em outros países, como Hungria, Turquia ou Rússia, governos de orientação autoritária promoveram ações mais explícitas contra universidades, incluindo fechamento de instituições ou perseguição de professores. As ações de Trump até agora foram menos radicais – até porque forças democráticas do país ainda atuam em defesa das liberdades do cidadão, a começar pela liberdade de pensamento e expressão - mas seguem um padrão similar de politização da educação superior.
O que se espera é que essas forças da democracia norte-americana sejam poderosas e lúcidas o suficiente para impedir que Trump, na sua vocação de imperator mundi, arraste o país para o abismo obscuro da autocracia.
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